Discurso de Método: A impossibilidade da Verdade

28-10-2010 13:44

 

“Nada direi a respeito da filosofia, exceto que, vendo que foi cultivada pelos mais elevados espíritos que viveram desde muitos séculos e que, apesar disso, nela ainda não se encontra uma única coisa a respeito da qual não haja discussão, e conseqüentemente que não seja duvidosa, eu não alimentava esperança alguma de acertar mais que os outros; e que, ao considerar quantas opiniões distintas, defendidas por homens eruditos, podem existir acerca de um mesmo assunto, sem que possa haver mais de uma que seja verdadeira, achava quase como falso tudo quanto era apenas provável.”[i]

 

            A citação de Decartes demonstra sua opinão quanto a incapacidade da filosofia de chegar á verdade. Este sentimento e necessidade de encontrar maneiras de se chegar á uma verdade é o que permeia seu discurso de método.

            Contextualizando a obra de Decartes no tempo, ele tomou para si a necessidade estabelecer regras para de sair do saber empírico e subjetivo e chegar a uma verdade que pudesse ser expressa  e utilizada em qualquer situação. Em seu método, o princípio para se chegar a qualquer verdade é a dúvida. E ela deve ser levada ao extremo. Duvída-se de tudo. Há uma problemática neste princípio pois para se chegar a extremos teremos de duvidar até daquele que tem a dúvida, suas perspectivas e seus objetivos. Daí a dúvida suprema carece de patamares fixos para chegar á verdade. Quando se seu ponto de dúvida é errôneo pode-se chegar a uma verdade também errônea. Da mesma maneira o método cartesiano está sujeito ao principio da incerteza de Heisenberg.

 

“O Princípio da Incerteza, formulado em 1919 pelo cientista alemão Werner Heisenberg, estabelece que não é possível ter simultaneamente a certeza da posição e da velocidade de uma partícula e que, quanto maior for a precisão com que se conhece uma delas, menor será a precisão com que se pode conhecer a outra.”[ii]

 

            Analisando sob esta ótica, poderíamos definir que a energia distendida para analisar um objeto altera o modo como o objeto da análise é visto. A partir deste ponto, poderíamos definir a impossibilidade de chegar á verdade absoluta. Ainda assim o método cartesiano proporcionou um notável avanço na concepção de um método cientifico.

            Decartes explicita que o sujeito deve se identificar antes de elaborar as questões sobre o objeto de estudo. Identificar-se é o primeiro tema a que se propõem. Depois de identificar-se o sujeito deve avaliar quais as suas potencialidades e limitações e só aí deve questionar a possibilidade de alcançar a verdade sobre algo, eliminando a dúvida primeira.  Através desta metodologia Decartes se distancia de Platão, eliminando o empirismo do mundo das idéias e definindo a razão como o supremo instrumento capaz de alcançar a verdade. Eliminando o mundo das idéias platônico, instaura  o reino da ciência racional e da experiência.

            O postulado científico cartesiano se sustenta através de quatro pilares:

 

            - O objeto de estudo ou evidência como sendo aquilo que primeiro se percebe e nos chega através dos sentidos.

            - A divisão do problema em partes menores ou enumeração dos princípios de causa.

            - A enumeração que consiste em organizar o pensamento atribuindo-lhes uma valoração elencando os fatores mais propícios e os menos propícios em escala decrescente.

            - Conclusão a partir dos dados enumerados e a revisão dos dados.

 

            Este método é conhecido como o método do funil pois, elimina-se os fatores menos relevantes na busca pela verdade maior. No entanto, vê-se que durante o processo o objeto de estudo é fragmentado e analisado a partir desta fragmentação. Este é o processo utilizado pelas mais variadas ciências existentes como a química, física, eletrônica, etc. Mas quando o objeto de estudo é o homem a verdade que se encontra no fim é a verdade fragmentada, pois o objeto de estudo é um objeto fragmentado. Logo a dúvida que se pressupunha ser a maneira de alcançar a verdade suprema sobre todas as coisas mostrou suas limitações. Ao tentar separar-se da idéia platônica Decartes declarou  no ‘penso, logo existo, como uma verdade absoluta. No entanto quando o argumento ontológico é determinado como:

 

“... sendo o único método possível de conhecimento a dúvida metódica, duvidar é menos perfeito que conhecer. Ao não possuirmos um conhecimento direto que nos exime da dúvida como método, só poderíamos ter idéia da perfeição se houvesse alguma natureza que fosse mais perfeita e acima de nós. Essa natureza seria Deus. Não sou só eu que existo, pois não sou perfeito e se tenho idéia da perfeição, além de mim devem existir outras coisas.” [iii]

           

             Decartes demonstrou, que ainda que seu método alcance a verdade sob certos aspectos, a busca pela verdade não tem um fim, mas sempre pode ter um começo.

            Os princípios cartesianos, embora não possam alcançar a verdade proposta pela filosofia, podem ser utilizados na construção metódica de uma argumentação filosófica. Determinar o objeto de estudo, enumerar os fatores de análise deste objeto, analisar os fatores sobre a ótica filosófica e sobre o contexto a ser avaliado e daí apresentar as conclusões, são os principais pontos que validam a apresentação de um texto filosófico como um texto científico.

            A filosofia deve ao método cartesiano a possibilidade, não de encontrar a verdade suprema, mas de validar sua explanação além das subjetividades empíricas.



[i] DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução: Ciro Mioranza. São Paulo, SP: Editora Escala, 2006.

[ii] <https://www.knoow.net/cienciasexactas/fisica/incertezaprincipio.htm>  acessado em 14/09/2010 11:19

[iii] <https://filosofiageral.wikispaces.com/O+Discurso+do+M%C3%A9todo+%E2%80%93+Descartes+%28resenha+tem%C3%A1tica%29> acessado em 14/09/2010 11:46

ARTIGO: DE MARCELO DOS SANTOS FERREIRA

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