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Ir ao fundo e voltar.
Diz-se que quando se chega ao fundo do poço, só existe uma saída: para cima. Alguns poderiam até dizer que o poço poderia não ter fundo. Se isso fosse verdade só nos restaria o suicídio como opção frente a este absurdo. Mas sendo o homem quem determina a medida de todas as coisas em nosso mundo secular contemporâneo, e sendo o homem um ser finito, necessariamente há um fundo para o poço de cada um. Albert Camus, escritor da segunda metade do século XX, buscou encontrar referências na história humana e nas relações como este se relaciona no enfrentamento de situações absurdas, nas quais faltam sentido, lógica ou coerência que nos possibilitem sequer entendê-las. Isto também ocorre todos os dias nas escolas de todo o mundo. Podemos vivenciar isso nas escolas onde nós educadores e educandos, pais e filhos têm frequentado.
Vemos a instituição criada para a viabilização da concretização da cidadania tornar-se impotente e refém do absurdo da identificação da sua incapacidade de transmitir qualquer conhecimento a aqueles que lhe são apresentados. Alunos que sequer sabem identificar os valores básicos do respeito, da ética, da responsabilidade frente a educadores que não sabem como lidar com esta realidade e se descobrem incapazes de mergulhar em sua fragilidade na busca de respostas. Na tentativa de manutenção do Status Quo buscam refugiar-se em fórmulas institucionalizadas e que, em algum panorama, ainda que distante, chegaram a surtir algum efeito, mas que fatalmente os levam a experimentar, perplexos, a sua total ineficiência. Educandos que buscam, sem saber o que, para que ou o por quê, de alguma certeza que possa, ao menos direcioná-los rumo a alguma possibilidade que lhes seja cara mas que encontram educadores dentro da mesma situação. Não se pode generalizar o panorama educativo nacional da mesma maneira que não se pode generalizar os seres humanos. No entanto, ainda que dispersa mas totalmente palpável a tragédia educacional tem mostrado suas faces em todas as classes sociais e em todas as áreas e fases educacionais vindo a se tornar manchete dos jornais nas páginas policiais mais que nas áreas da cultura, educação e cidadania. Será este um efeito da dita ‘democratização’ da educação que, foi construída para adquirir fundos através de números, mas descomprometida com a evolução proposta pela assimilação cultural e social por seus indivíduos?
Mais que responder a esta questão, cabe formular outras: Este é o fundo do poço? Nesta podemos estar seriamente inclinados a respondê-la afirmativamente. Logo onde estará a saída?
Da mesma maneira que a cura das doenças se apresenta, muitas vezes, nos mesmos vírus que as provocam, a saída do fundo do poço educacional se encontra nos sujeitos do processo. Educador e educando. Podemos até pensar que “um cego não pode guiar outro cego, pois os dois terminarão no mesmo buraco”. De fato, já estamos no mesmo buraco. O que nos exige desvia o olhar a situação sobre outros parâmetros.
Todo o processo educacional sempre foi pautado na relação e transmissão do conhecimento entre professor e aluno. Esta transmissão-assimilação ainda que mútua, sempre foi pautada por uma intencionalidade externa, seja ela a técnica, o trabalho, o capital ou o cidadão. Mas em nenhum momento educador e educando se confrontaram com o absurdo, logo, não sabem como lidar com ele afinal, toda a prática cartesiana sob a qual se situa o conhecimento humano não o considera. Mas há uma saída. É Albert Camus que propõe algumas teorias que, se utilizadas, podem a delinear, e é somente isso, delinear os contornos de uma possível saída do fundo deste poço educacional.
Frente ao absurdo desta situação, só temos duas opções: assumir a apatia da situação e decidir ficar no fundo do poço, praticando o suicídio educacional coletivo, que já estamos experimentando, ou exigir para si o direito a saída deste poço. É a exigência do direito de existir, de ser mais do que se é, ser mais do que lhe é oferecido. Não é o TER, mas o SER. Exige-se o fim da opressão limitadora da capacidade e da liberdade humana. Não em favor de uma ideia, mas em favor de um direito, pois a ideia, quando se torna mais forte que o indivíduo que a carrega chega a ponto desejar impor-se sobre a realidade, tende a eliminar aqueles que lhe são contrários. Em favor de um direito de existência da sua essência humana em sua totalidade. No âmbito educacional isso começa com o educador que assume para si e para o outro a sua condição absurda e a sua incapacidade de caminhar só. E, a partir deste reconhecimento, pede auxílio a quem quer que seja necessário. Daí é muito melhor pedir ajuda a aqueles que experimentam a mesma situação: os educandos. Nasce neste reconhecimento o sentido da solidariedade. Esta é a revolta que nos propõe Camus. Uma revolta coletiva que, do sentimento solitário, se eleva a um reconhecimento coletivo, não que oprime, mas que exige liberdade e reconhecimento, para si e para todos. Contrariamente a fixar o olhar um para outro, passa-se a olhar juntos em uma mesma direção. Mas isso não é possível de ser alcançado sem uma tomada de decisão. Neste caso, o educador deve voltar a assumir em si a revolta camusiana, uma vez que esta só é possível a partir do ser humano instruído e consciente dos seus direitos e que, através da transmissão e conscientização do educando, este também abraça esta revolta moral e ética.
Quando analisamos a atual condição educacional brasileira percebemos que, se o fim do poço ainda não é esse, ele está próximo. Mas o momento de identificação desta situação é o primeiro passo para a tomada de consciência para necessidade de uma revolta educacional (nunca uma revolução) que congrega educandos e educadores em uma unidade humana de direito. Neste movimento de retorno á superfície não mais solitários, mas juntos, somos mais. A experiência do absurdo educacional pode promover o avanço e retorno de uma nova consciência educacional, pautada no estado de direito ético, mais humano e menos técnico. Mas isso só será possível através de uma decisão pessoal e individual, no início solitária, na exigência de uma identidade humana como nos propõe Camus, pois é só desta maneira iremos inferir nos educandos algum valor além daqueles que hoje eles não carregam.
Marcelo Ferreira - Graduando de Filosofia - Centro Universitário Claretiano - Polo Belo Horizonte.
para citar este artigo basta notificar seu autor: msfnmma@gmail.com
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É unânime em nossa sociedade constatar e identificar as influências que a internet teve sobre nossas vidas. Bastaram 50 anos para que nossa estrutura tecnológica gestasse esta rede de comunicação global. Sendo a comunicação o principal processo humano de transmissão do conhecimento além de ser o patamar de formação de nosso intelecto e personalidade, recebeu da tecnologia da informação e comunicação influências extremamente negativas e efeitos devastadores na formação da intelectualidade e da personalidade das crianças e adolescentes da segunda metade do século XX.
É fato que as crianças estão sendo expostas, cada vez mais cedo, a um vasto conteúdo de informação, através dos meios de comunicação, iniciando-se pelo conteúdo televisivo e também pela informática. Esta realidade é pungente e exigiu que o meio educacional se reformulasse. Através da influência de Piaget e seu construtivismo[1], o matemático Sul africano Saymour Papert[2] “cunhou o termo construcionismo como sendo a abordagem do construtivismo que permite ao educando construir o seu próprio conhecimento por intermédio de alguma ferramenta, como o computador, por exemplo.”[3]
Mas construir o seu próprio conhecimento pressupõe uma personalidade formada fundamentada no questionamento de valores éticos e morais que estão além da tecnologia. Seria lícito expor às crianças a tão vasta informação sem este preparo que só se constrói através das relações humanas? Teria a tecnologia a possibilidade de formar o indivíduo através do princípio lúdico, fator primordial da formação da personalidade? Atualmente, isso ainda não é possível.
Este ponto fica evidenciado através de uma análise, ainda que superficial, sobre a primeira geração exposta sem controle adequado ao ambiente da internet. Vemos que as crianças e adolescentes tem menos amigos, encontram-se menos e, quando se encontram, preferem as salas de bate papo virtuais e que, de tão informais, fizeram-lhes seres impessoais. Sua criatividade, personalidade e intelecto, anteriormente modelados através das atividades lúdicas pessoais e grupais, pelos jogos, pelas histórias infantis que eram contadas pelos pais, pelas brincadeiras em grupo, foram afetados de tal maneira que as relações afetivas se diluíram no universo informático e da comunicação visual. Raramente vê-se entre eles um indivíduo interrogativo com perfil de pesquisador ou questionador. Em sua maioria são guiados pelos princípios da lógica binária dos zeros e uns. São extremistas em seus posicionamentos intelectuais e, na maioria das vezes apresentam uma ética relativista e individualista. Diante destas evidências, vê-se negado o construcionismo papertiano. Somente a exposição à informação não gera conhecimento independente do instrumento utilizado. A geração do conhecimento só é possível após e através de um acompanhamento cuidadoso na formação da personalidade e do intelecto na primeira e segunda infâncias e, neste ponto, não se pode substituir o fator humano na formação da personalidade da criança e do adolescente. Os limites da educação moral e ética que permitem a consolidação da personalidade do ser devem permanecer sobre a responsabilidade e direcionamento humanos, para que somente depois eles sejam expostos gradualmente ao universo da informação.
Esperamos que a internet continue sendo uma fonte de informação, mas que tenhamos criticidade suficiente para identificar que a formação do indivíduo está muito além da informação a que é exposto.
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“Nada direi a respeito da filosofia, exceto que, vendo que foi cultivada pelos mais elevados espíritos que viveram desde muitos séculos e que, apesar disso, nela ainda não se encontra uma única coisa a respeito da qual não haja discussão, e conseqüentemente que não seja duvidosa, eu não alimentava esperança alguma de acertar mais que os outros; e que, ao considerar quantas opiniões distintas, defendidas por homens eruditos, podem existir acerca de um mesmo assunto, sem que possa haver mais de uma que seja verdadeira, achava quase como falso tudo quanto era apenas provável.”[i]
A citação de Decartes demonstra sua opinão quanto a incapacidade da filosofia de chegar á verdade. Este sentimento e necessidade de encontrar maneiras de se chegar á uma verdade é o que permeia seu discurso de método.
Contextualizando a obra de Decartes no tempo, ele tomou para si a necessidade estabelecer regras para de sair do saber empírico e subjetivo e chegar a uma verdade que pudesse ser expressa e utilizada em qualquer situação. Em seu método, o princípio para se chegar a qualquer verdade é a dúvida. E ela deve ser levada ao extremo. Duvída-se de tudo. Há uma problemática neste princípio pois para se chegar a extremos teremos de duvidar até daquele que tem a dúvida, suas perspectivas e seus objetivos. Daí a dúvida suprema carece de patamares fixos para chegar á verdade. Quando se seu ponto de dúvida é errôneo pode-se chegar a uma verdade também errônea. Da mesma maneira o método cartesiano está sujeito ao principio da incerteza de Heisenberg.
“O Princípio da Incerteza, formulado em 1919 pelo cientista alemão Werner Heisenberg, estabelece que não é possível ter simultaneamente a certeza da posição e da velocidade de uma partícula e que, quanto maior for a precisão com que se conhece uma delas, menor será a precisão com que se pode conhecer a outra.”[ii]
Analisando sob esta ótica, poderíamos definir que a energia distendida para analisar um objeto altera o modo como o objeto da análise é visto. A partir deste ponto, poderíamos definir a impossibilidade de chegar á verdade absoluta. Ainda assim o método cartesiano proporcionou um notável avanço na concepção de um método cientifico.
Decartes explicita que o sujeito deve se identificar antes de elaborar as questões sobre o objeto de estudo. Identificar-se é o primeiro tema a que se propõem. Depois de identificar-se o sujeito deve avaliar quais as suas potencialidades e limitações e só aí deve questionar a possibilidade de alcançar a verdade sobre algo, eliminando a dúvida primeira. Através desta metodologia Decartes se distancia de Platão, eliminando o empirismo do mundo das idéias e definindo a razão como o supremo instrumento capaz de alcançar a verdade. Eliminando o mundo das idéias platônico, instaura o reino da ciência racional e da experiência.
O postulado científico cartesiano se sustenta através de quatro pilares:
- O objeto de estudo ou evidência como sendo aquilo que primeiro se percebe e nos chega através dos sentidos.
- A divisão do problema em partes menores ou enumeração dos princípios de causa.
- A enumeração que consiste em organizar o pensamento atribuindo-lhes uma valoração elencando os fatores mais propícios e os menos propícios em escala decrescente.
- Conclusão a partir dos dados enumerados e a revisão dos dados.
Este método é conhecido como o método do funil pois, elimina-se os fatores menos relevantes na busca pela verdade maior. No entanto, vê-se que durante o processo o objeto de estudo é fragmentado e analisado a partir desta fragmentação. Este é o processo utilizado pelas mais variadas ciências existentes como a química, física, eletrônica, etc. Mas quando o objeto de estudo é o homem a verdade que se encontra no fim é a verdade fragmentada, pois o objeto de estudo é um objeto fragmentado. Logo a dúvida que se pressupunha ser a maneira de alcançar a verdade suprema sobre todas as coisas mostrou suas limitações. Ao tentar separar-se da idéia platônica Decartes declarou no ‘penso, logo existo, como uma verdade absoluta. No entanto quando o argumento ontológico é determinado como:
“... sendo o único método possível de conhecimento a dúvida metódica, duvidar é menos perfeito que conhecer. Ao não possuirmos um conhecimento direto que nos exime da dúvida como método, só poderíamos ter idéia da perfeição se houvesse alguma natureza que fosse mais perfeita e acima de nós. Essa natureza seria Deus. Não sou só eu que existo, pois não sou perfeito e se tenho idéia da perfeição, além de mim devem existir outras coisas.” [iii]
Decartes demonstrou, que ainda que seu método alcance a verdade sob certos aspectos, a busca pela verdade não tem um fim, mas sempre pode ter um começo.
Os princípios cartesianos, embora não possam alcançar a verdade proposta pela filosofia, podem ser utilizados na construção metódica de uma argumentação filosófica. Determinar o objeto de estudo, enumerar os fatores de análise deste objeto, analisar os fatores sobre a ótica filosófica e sobre o contexto a ser avaliado e daí apresentar as conclusões, são os principais pontos que validam a apresentação de um texto filosófico como um texto científico.
A filosofia deve ao método cartesiano a possibilidade, não de encontrar a verdade suprema, mas de validar sua explanação além das subjetividades empíricas.
[i] DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução: Ciro Mioranza. São Paulo, SP: Editora Escala, 2006.
[ii] <https://www.knoow.net/cienciasexactas/fisica/incertezaprincipio.htm> acessado em 14/09/2010 11:19
[iii] <https://filosofiageral.wikispaces.com/O+Discurso+do+M%C3%A9todo+%E2%80%93+Descartes+%28resenha+tem%C3%A1tica%29> acessado em 14/09/2010 11:46
ARTIGO: DE MARCELO DOS SANTOS FERREIRA
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O nosso novo blog foi lançado hoje. Fique atento e tentaremos mantê-lo informado. Pode subscrever os novos posts deste blog via RSS feed.
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Não há melhor texto que começar este blog com a reflexão feita por Rubem Alves sobre a Escola da ponte.
"Escola da Ponte 3
Encantado, continuei a explorar o espaço da Escola da Ponte - espaço que eu nunca havia imaginado - e notem que minha imaginação é muito fértil! A menina que me guiava apontou para um computador num canto da sala imensa: ‘É o computador do ‘Acho bom’ e do ‘Acho mal’. Quando nos sentimos contentes com algo, escrevemos no ‘Acho bom’. Quando, ao contrário, nos sentimos infelizes, escrevemos no ‘Acho mal’’. Examinei o ‘Acho mal’. A curiosidade é sempre espicaçada por coisas ruins. ‘Acho mal que o Tomás dê estalos na cara da Francisca’. Pensei: ‘Ah! Tomás! Tu estás perdido! Todos já sabem o que fazes! Se continuas, certamente terás de comparecer perante o Tribunal para dares conta dos teus atos.’ E, no ‘Acho bom’ estão os louvores aos gestos e coisas boas. Treinamento dos olhos e da fala. O normal é que os olhos vejam mais as coisas ruins e que a boca tenha mais prazer em falar sobre elas. Mas lá, na Escola da Ponte, as crianças são convidadas a ver o bom, o bonito, o generoso, e a falar sobre eles. Aí vocês me perguntarão: ‘Mas o programa é cumprido?’ Sobre isso falarei na próxima crônica. (Correio Popular, Caderno C, 28/05/2000, publicada originalmente com o título: A Escola da Ponte 2.) |
Fonte: https://www.rubemalves.com.br/escoladaponte3.htm