Emergir do fundo do poço: possibilidades camusianas na problemática educacional brasileira

19-09-2011 16:18

Ir ao fundo e voltar.

    Diz-se que quando se chega ao fundo do poço, só existe uma saída: para cima. Alguns poderiam até dizer que o poço poderia não ter fundo. Se isso fosse verdade só nos restaria o suicídio como opção frente a este absurdo. Mas sendo o homem quem determina a medida de todas as coisas em nosso mundo secular contemporâneo, e sendo o homem um ser finito, necessariamente há um fundo para o poço de cada um. Albert Camus, escritor da segunda metade do século XX, buscou encontrar referências na história humana e nas relações como este se relaciona no enfrentamento de situações absurdas, nas quais faltam sentido, lógica ou coerência que nos possibilitem sequer entendê-las. Isto também ocorre todos os dias nas escolas de todo o mundo. Podemos vivenciar isso nas escolas onde nós educadores e educandos, pais e filhos têm frequentado.
    Vemos a instituição criada para a viabilização da concretização da cidadania tornar-se impotente e refém do absurdo da identificação da sua incapacidade de transmitir qualquer conhecimento a aqueles que lhe são apresentados. Alunos que sequer sabem identificar os valores básicos do respeito, da ética, da responsabilidade frente a educadores que não sabem como lidar com esta realidade e se descobrem incapazes de mergulhar em sua fragilidade na busca de respostas. Na tentativa de manutenção do Status Quo buscam refugiar-se em fórmulas institucionalizadas e que, em algum panorama, ainda que distante, chegaram a surtir algum efeito, mas que fatalmente os levam a experimentar, perplexos, a sua total ineficiência. Educandos que buscam, sem saber o que, para que ou o por quê, de alguma certeza que possa, ao menos direcioná-los rumo a alguma possibilidade que lhes seja cara mas que encontram educadores dentro da mesma situação. Não se pode generalizar o panorama educativo nacional da mesma maneira que não se pode generalizar os seres humanos. No entanto, ainda que dispersa mas totalmente palpável a tragédia educacional tem mostrado suas faces em todas as classes sociais e em todas as áreas e fases educacionais vindo a se tornar manchete dos jornais nas páginas policiais mais que nas áreas da cultura, educação e cidadania. Será este um efeito da dita ‘democratização’ da educação que, foi construída para adquirir fundos através de números, mas descomprometida com a evolução proposta pela assimilação cultural e social por seus indivíduos?
    Mais que responder a esta questão, cabe formular outras: Este é o fundo do poço? Nesta podemos estar seriamente inclinados a respondê-la afirmativamente. Logo onde estará a saída?
    Da mesma maneira que a cura das doenças se apresenta, muitas vezes, nos mesmos vírus que as provocam, a saída do fundo do poço educacional se encontra nos sujeitos do processo. Educador e educando. Podemos até pensar que “um cego não pode guiar outro cego, pois os dois terminarão no mesmo buraco”. De fato, já estamos no mesmo buraco. O que nos exige desvia o olhar a situação sobre outros parâmetros.
Todo o processo educacional sempre foi pautado na relação e transmissão do conhecimento entre professor e aluno. Esta transmissão-assimilação ainda que mútua, sempre foi pautada por uma intencionalidade externa, seja ela a técnica, o trabalho, o capital ou o cidadão. Mas em nenhum momento educador e educando se confrontaram com o absurdo, logo, não sabem como lidar com ele afinal, toda a prática cartesiana sob a qual se situa o conhecimento humano não o considera. Mas há uma saída. É Albert Camus que propõe algumas teorias que, se utilizadas, podem a delinear, e é somente isso, delinear os contornos de uma possível saída do fundo deste poço educacional.
Frente ao absurdo desta situação, só temos duas opções: assumir a apatia da situação e decidir ficar no fundo do poço, praticando o suicídio educacional coletivo, que já estamos experimentando, ou exigir para si o direito a saída deste poço. É a exigência do direito de existir, de ser mais do que se é, ser mais do que lhe é oferecido. Não é o TER, mas o SER. Exige-se o fim da opressão limitadora da capacidade e da liberdade humana. Não em favor de uma ideia, mas em favor de um direito, pois a ideia, quando se torna mais forte que o indivíduo que a carrega chega a ponto desejar impor-se sobre a realidade, tende a eliminar aqueles que lhe são contrários. Em favor de um direito de existência da sua essência humana em sua totalidade. No âmbito educacional isso começa com o educador que assume para si e para o outro a sua condição absurda e a sua incapacidade de caminhar só. E, a partir deste reconhecimento, pede auxílio a quem quer que seja necessário. Daí é muito melhor pedir ajuda a aqueles que experimentam a mesma situação: os educandos. Nasce neste reconhecimento o sentido da solidariedade. Esta é a revolta que nos propõe Camus. Uma revolta coletiva que, do sentimento solitário, se eleva a um reconhecimento coletivo, não que oprime, mas que exige liberdade e reconhecimento, para si e para todos. Contrariamente a fixar o olhar um para outro, passa-se a olhar juntos em uma mesma direção. Mas isso não é possível de ser alcançado sem uma tomada de decisão. Neste caso, o educador deve voltar a assumir em si a revolta camusiana, uma vez que esta só é possível a partir do ser humano instruído e consciente dos seus direitos e que, através da transmissão e conscientização do educando, este também abraça esta revolta moral e ética.
    Quando analisamos a atual condição educacional brasileira percebemos que, se o fim do poço ainda não é esse, ele está próximo. Mas o momento de identificação desta situação é o primeiro passo para a tomada de consciência para necessidade de uma revolta educacional (nunca uma revolução) que congrega educandos e educadores em uma unidade humana de direito. Neste movimento de retorno á superfície não mais solitários, mas juntos, somos mais. A experiência do absurdo educacional pode promover o avanço e retorno de uma nova consciência educacional, pautada no estado de direito ético, mais humano e menos técnico. Mas isso só será possível através de uma decisão pessoal e individual, no início solitária, na exigência de uma identidade humana como nos propõe Camus, pois é só desta maneira iremos inferir nos educandos algum valor além daqueles que hoje eles não carregam.

 

Marcelo Ferreira - Graduando de Filosofia - Centro Universitário Claretiano - Polo Belo Horizonte.

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